A sociedade não estacionou no século XX, muito menos no
XIX. As diversas sub-sociedades devam se modernizar, adequando seu dia-a-dia
ao contexto atual, sob pena de, legalmente defasados, se tornarem um grupo de
sub-cidadãos, com menos direitos que os demais e, consequentemente, com qualidade de vida inferior.
A discussão que apresentamos, longe de ter o desejo de estremecer
os pilares institucionais das Forças Armadas, como dirão os mais fatalistas, é apenas
mais uma conseqüência do intenso processo de complexificação por que passam os
diversos grupos da sociedade atual, onde, cada vez mais, surgem novas demandas
que devem ser solucionadas pelos legisladores, a fim de contextualizar nossas regras.
Essa semana a editoria de Sociedade Militar foi informada
que dentro de instituições militares tem sido amplamente divulgado normas que
proibiriam militares da ativa de se reunir com políticos ou de discutir
assuntos relacionados a reajustes, regulamentos etc. No nosso ponto de vista
isso é uma alusão às reuniões com políticos, que ocorreram em maio e junho no
Rio de Janeiro e em Brasília.
“algumas lideranças
tentando mobilizar militares, em especial praças, para participar de
manifestações reivindicatórias, não autorizadas por força de preceitos
constitucionais...”
Os textos divulgados mencionariam o Artigo 45 do Estatuto
dos Militares e o item 103 da longa lista de transgressões disciplinares do
Exército Brasileiro.
Estatuto - Art. 45. São proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores
quanto as de caráter reivindicatório ou político.
Reg. Disciplinar - “103. Autorizar, promover ou tomar
parte em qualquer manifestação coletiva,
seja de caráter reivindicatório ou político ...
Reg. Disciplinar - “105. Autorizar, promover, assinar
representações, documentos coletivos ou publicações de qualquer tipo, com finalidade política, de reivindicação
coletiva ou de crítica a autoridades constituídas ou às suas atividades;”
É necessário analisar os textos acima á luz da
Constituição Federal de 1988.
O estatuto tem mais de 35 anos de idade. O regulamento
disciplinar do Exército (RDE) foi construído em 1984, tem 30 anos. O RDE foi “atualizado”
há 13 anos, as alterações principais foram com base em resgatar o direito ao
contraditório e ampla defesa.
Sob o ponto de vista do ESTATUTO e RDE o que seriam “manifestações
coletivas”?
- Segundo a Wikipédia
MANIFESTAÇÃO é: ação de um conjunto de pessoas em favor de uma causa...
- Segundo o dicionário
Michaelis: Ato ou efeito de manifestar ou de se manifestar. Expressão,
revelação. Expressão pública de opiniões ou sentimentos coletivos.
Assim como todos os cidadãos brasileiros, os militares
são representados politicamente pelos deputados federais, estaduais e
vereadores.
Pergunta-se: como esses políticos poderiam conhecer as
necessidades de seus representados se estes não puderem se reunir com os
mesmos? Como os representados poderão dar conhecimento aos políticos sobre suas
demandas, se são proibidos de comparecer a reuniões?
A maior parte dos pleitos e projetos apresentados pelos
legisladores são construídos com base no que pedem seus eleitores. As decisões
sobre isso, em nível local, são feitas em reuniões com eleitores na base do tradicional
“levante a mão quem quer isso”. Assim é a democracia.
Os militares devem ficar a margem desse processo? São sub-cidadãos ou devem confiar que seus superiores, mesmo que tenham opiniões e perspectivas da carreira e políticas diferentes, façam o papel de "mediadores", levando até os políticos as demandas?
Hoje não possuímos mais governantes militares, ou
indicados por estes. Quem elabora leis sobre reajustes de salários, planos de
carreira e assistência médica, são políticos civis, eleitos pelo voto dos
eleitores, entre estes, os militares das Forças Armadas e Auxiliares.
Os regulamentos foram construídos em um momento político
complicado, em que as Forças Armadas haviam acabado de realizar extenso combate
contra a esquerda, que a todo custo tentava se infiltrar nos quartéis, bem como
em todas as instituições desse país. Os regulamentos e o conjunto de ações empreendidas
foram eficazes. Contudo, vivemos outro momento em nosso país.
A Constituição prevê ainda os Projetos de Lei de
iniciativa POPULAR, por meio das quais os cidadãos , unidos, podem apresentar
projetos de lei no Congresso Nacional. Isso bate também de encontro ao que proíbe
o regulamento disciplinar do Exército Brasileiro.
“105. Autorizar, promover, assinar representações,
documentos coletivos ou publicações de
qualquer tipo, com finalidade política, de reivindicação coletiva...”
“publicações de
qualquer tipo” não seria uma colocação extremamente ampla? Um abaixo
assinado pedindo reajuste para os militares certamente pode ser enquadrado
dentro desse universo. Endossar a criação de um partido político também e uma manifestação
em via pública pedindo paz, idem. Por aí se percebe o quão descontextualizados
estão os regulamentos.
Outra grande evidência de que os regulamentos das Forças
Armadas e Auxiliares devem ser revistos e contextualizados foi o cancelamento, via
lei federal, das punições de centenas de militares estaduais que participaram
de manifestações coletivas em vários estados da federação.
É preciso discutir com urgência os regulamentos militares
no Brasil visando torná-los compatíveis
com nosso ordenamento jurídico. Depois disso, como foi colocado acima, é preciso que a tropa seja
esclarecida sobre seus direitos políticos como cidadãos brasileiros.
"sob pena de, legalmente defasados, se tornarem um grupo de sub-cidadãos, com menos direitos que os demais e, consequentemente, com qualidade de vida inferior. "
Robson A.DSilva – Cientista Social /
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