Em 26 de junho Miriam Leitão entrevistou
o Ministro da defesa, Celso Amorim, o assunto foi os relatórios preparados
pelos comandos militares em resposta à questionamentos da Comissão Nacional da
Verdade sobre assassinato e tortura em instalações militares.
Para Miriam os militares
responderam apenas com relatórios administrativos à questões específicas sobre
agressões à direitos humanos de presos em instalações militares, como a Base do
Galeão e Ilha das Flores. Obviamente ninguém, muito menos Miriam, esperava que
o Ministro da Defesa condenasse os relatórios endossados por seus subordinados,
os comandantes Enzo, Saito e Moura Neto. Miriam obviamente já sabia as
respostas que seriam dadas por Amorim, mas precisava de deixas para fazer seus
comentários, expressar sua opinião. No Brasil grande parte dos repórteres fazem assim, e parece que parte do público aprecia mesmo esse tipo de “entrevista” em
que o entrevistador é uma espécie de expert, um sabe tudo, que já tem na ponta
da língua às réplicas para as respostas dos entrevistados.
Amorim disse que as questões
colocadas pela Comissão Nacional da Verdade seguiam uma linha administrativa, e
que por isso os relatórios em resposta continham tantos detalhes
administrativos. Ele disse ainda que as perguntas nessa linha se devem à questão
da imprescritibilidade de delitos administrativos. Eis aí um primeiro ponto
interessante. Exaustivamente se diz que a Comissão da Verdade não possui
caráter punitivo, que não procura provas para punir ninguém, por que então se
busca tão avidamente essa imprescritibilidade?
Miriam Leitão aproveitou a oportunidade
e retrucou a resposta do Ministro, perguntando: Então foi a CNV que faz as perguntas erradas? Amorim disse que não
julgaria a CNV e que as Forças Armadas não contestam as conclusões sobre torturas
cometidas em estabelecimentos militares. Disse ainda que torturas cometidas em
estabelecimentos militares não se configura como ilícito administrativo, e sim
como crime. Para ele a Comissão não fez nenhuma pergunta sobre tortura, sobre
isso fez afirmações, que não foram contestadas.
A repórter disse: “as pessoas foram mortas dentro de
instalações militares, foram torturadas e não foi pra isso que foram instaladas
essas instalações militares, elas existem para defender o Brasil...eu não tenho
dúvidas de que o senhor acha isso, mas os seus comandados não acham... o senhor
é comandante dos comandantes militares, o senhor não deveria levá-los a tomar
uma decisão sobre isso? O que eles fizeram nesse relatório foi tergiversar a
questão principal que se pergunta.”
Miriam leitão, assim como outros
profissionais de imprensa, dá a entender que os comandos militares exageraram
em detalhes administrativos na intenção de omitir a questão principal. Resumindo claramente, ela acha que a
resposta foi uma tremenda enrolação. Cita até uma menção sobre o TCU ter
aprovado as contas de determinado quartel, fato mencionado em um dos relatórios. Vejam
abaixo excerto do ofício da CNV enviado ao Ministério da Defesa.
O ministro da defesa disse que o Brasil atravessa um momento de transição, que já chega
ao fim. E que todos terão que se posicionar diante do relatório final a ser
produzido pela CNV. Sobre assassinato e tortura dentro de instalações militares
Amorim disse que acredita que isso talvez fosse a norma implícita, mas não
explícita. Falou que “os
militares de hoje tem de ser capazes de separar o passado do presente. O 31 de
março já não é mais comemorado, era até há muito pouco tempo atrás”
Miriam insiste em dizer que os
militares de hoje e de ontem são os mesmos, ela disse: “eles não fazem essa separação quando não admitem os erros do passado.”
O ministro não discordou, na verdade
se aliou à Miriam, dizendo que na sua opinião pessoal eles deveriam fazer a
separação, mas que isso não se faz com uma ordem, que uma mudança cultural vem
aos poucos, em vários momentos ele deixou claro que prefere o convencimento à determinações.
Façamos uma pequena pausa na
conversa entre Miriam e Amorim. Perguntamos então: O que seria essa mudança
cultural no ponto de vista dos dois? Parece que seria o caso dos militares de
hoje estarem plenamente convencidos que a
contra-revolução de 31 de março de 1964 não foi uma ação justificada, e que as
várias facções criminosas que surgiram, como Var Palmares, lutavam para
implantar a democracia no Brasil, admitindo isso publicamente, inclusive.
A Constituição Federal de 1988 diz
que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a
todos imposta.
Pelo que percebe-se, os militares não invocaram sua convicção
filosófica ou política para deixar de cumprir sua obrigação, responderam as
questões colocadas da melhor maneira possível. Pode até ser que alguns dos que participaram da elaboração dos documentos discordem da visão da Comissão Nacional da Verdade, pode ser também que concordem. Contudo, agiram corretamente, não deixando isso transparecer. E em nenhum local dos
relatórios encontra-se algo que sugere que concordam com tortura
ou assassinato. Aliás, o próprio Amorim disse que nunca ouviu de nenhum militar
que tortura ou assassinato seja algo justificado em qualquer lugar ou época.
Questão interessante colocada por Miriam Leitão foi sobre o currículo
das instituições de ensino militares, ambos concordam que deve-se apresentar
uma nova versão dos fatos de nosso “passado recente”, entenda-se aí que a
revolução de 1964 foi injustificada e que os militantes de esquerda na verdade
lutavam pela democracia no Brasil. Cezar Amorim disse que o gerenciamento dessa
questão está a cargo de um general, que deverá convencer seus subordinados a
adaptar os currículos. Os livros usados devem ser exclusivamente os indicados
pelo MEC. Uma “coleção paralela” até hoje usada não teria "mais cabimento”.
A entrevista terminou com Miriam perguntando se um dia os Militares iriam
pedir desculpas pelo que fizeram ao país na época da ditadura. Amorim respondeu
que não sabe, que talvez isso ocorra após a divulgação do relatório da Comissão
Nacional da Verdade. A última frase do Ministro da Defesa é um tanto quanto
enigmática. Ainda sobre o possível pedido de desculpas, ele disse: Talvez fosse bom
pra eles, eu acho.
Robson A.D.Silva. Revista Sociedade Militar.